Quem não gosta de pensar que é especial? Único? Definitivo? O eleito? Eu gosto. Eu gosto porque sou um otário para ficção e fantasias desvairadas. No filme Matrix (1999), a profecia dizia que Neo era “The One”. O tal. O rei do borogodó. O mais melhor de bão de todos os pirocudos das galáxias. Na série de livros, Harry Potter também era. Era o “o menino que sobreviveu” e não demorava 30 páginas para alguém dizer que ele era um bruxinho muito especial. O Bruce Wayne era especial, único. Rambo também. Só ele poderia nos salvar! Rei Artur da Távola Redonda, Simbad, Princesa Elsa de Arendel, Jesus Cristo, Johnny Número 5, Kal-El, Vivian Ward (a famosa Pretty Woman!) todo mundo era muito especial com algo muito único. Com poderes especiais. Todo mundo!
E quem não alimentou essa fantasia de que um dia também vai receber uma cartinha de Hogwarts ou arrancar uma espada mágica de uma pedra milenar? Quem não quer que o Richard Gere só se apaixone pela gente? (mesmo aos 75 anos de idade?)
Não vai acontecer, é claro. Desculpa. Você é legal, mas só que… Desculpa.
Essa turma mora dentro da fantasia, uma técnica milenar de contação de histórias feita para cutucar um mecanismo baita egoísta que temos dentro do nosso cérebro que nos distingue dessa ralé aí toda aí fora. Os pobre. Gentinha suja.
Uai, o emprego é vender história, então a gente precisa mirar e acertar onde faz cosquinha, certo? E a técnica é justamente essa: tá vendo esse mundaréu de gente bege sem graça? Então, você não. Você é ó: um xuxuzinho. Aí o ego infla e será que eu o herói vai vencer?
(tem também o fato que a história daquele que não era especial seria meio chata - e acabaria na primeira cena de luta)
Então, tá, ego de volta no lugar. Não somos especiais, nós dois. Nem eu nem tu. É nóis, ralé.
E como nós, chão de fábrica vamos lidar com o mundo ao nosso redor? Sabe essa bolinha de pedra molhada boiando na imensidão desse universo de meus deus inexistente? Então, tá no bico do corvo. O mundo vai acabar se a gente não parar para olhar para isso.
Talvez essa seja a tônica desse par ou trio de décadas que se apresenta. Eu me lembro de previsões catastróficas na escola. Algumas palestras, trabalhos especiais fora da grade matemática-ciência-história-geografia-português. E em que sabendo o que estava acontecendo a gente, plebe, foi lá e fez assim mesmo. A humanidade não decepciona. Não é que a profecia auto-realizável se cumpre? A gente falou que ia dar merda se continuássemos no mesmo caminho. Continuamos. Deu. Uaaauuuu… como a gente é especial.
Eu vejo o mundo bem diferente do que viram meus pais: a Terra não é um recurso desfrutável; medir o mundo pelo PIB e buscar “crescimento” é a maior mentira possível (não tem como “crescer" um país dentro de um planeta de recursos limitados.) Crédito de Carbono é uma medida exclusivamente financeira para manter as coisas como elas são (um país com alta poluição pagando para um país com menos poluição não “se desenvolver”). Exportar qualquer quantidade de qualquer coisa é um custo de impacto muito mais caro do que o preço que se recebe por ele. Agricultura de extensão não alimenta ninguém (soja brasileira engorda porco chinês para fazer almôndegas suecas revendidas nos EUA).
Eu talvez não tenha comprado esses preceitos todos quando era adolescente, então digamos que eu não tenha sofrido uma grande revolução nem nada. Mas há um motivo para isso: eu não sou especial. Sou fruto da minha geração. Eu sofri um crescimento de desenvolvimento e de comfortos desde que Julia Roberts entrou naquela limousine com o Richard Gere. Minha vida melhorou muito. Lá nos anos 80 Julia Roberts comia escargot e a gente andava de Belina porque os militares achavam que importações fariam mal à nossa economia (bando de fdps…) Lá eu mereço andar de Belina? Não, né? Carro merda do caraio. Mas eu sobrevivi a uma Belina sem ar condicionado e você também poderia sobreviver.
É melhor? É. Você merece? Merece. Tem como? Depende. Você gosta de inundações? 35 graus à sombra? Terras inférteis? Mar de óleo?
Mas, nós, plebe, não somos a Greta Thumberg. A Greta é diferente, ela não é plebe como nós. Ela é plebe que fala alto. Só isso. Larga mão de achar que você é especial, alecrim dourado, e comece a se comportar como se você fosse. A Greta grita. Você não sabe gritar, não? Bate no peito aí, sobe no banquinho e explica como você é só mais um na multidão. Em alto e bom som!
O mundo é só uma questão de visão. O que você vê olhando para trás e depois para frente? Não o seu umbigo, com certeza.
Eu vejo a vida melhor no futuro. Eu vejo menos luxo, mas eu vejo o comforto que todo mundo merece. Eu vejo o PIB como sendo a maior piada de mal gosto do mundo. Eu vejo um mundo medido por felicidade, comforto, igualdade. Eu vejo produção local, limitada, sazonal. Às vezes tem, outras não. Eu vejo o bom ser melhor do que o ótimo, o excelente. Eu vejo a vida melhor no futuro.
Desde que eu não seja especial.
Semana passada não mandei este subtreco do meu Querido Diário. Eu estava na praia. Comendo camarão. Foi mal. Fico te devendo um a mais lá na ponta. De repente eu mando dois. De repente eu faço uma edição dupla. De repente eu esqueço.
Bêjo!
Estreou na HBO MAX a animação do Astronauta. Aquele da Turma da Mônica, sabe? Do traje espacial que é uma bola? Depois de um punhado de graphic novels só dele, ele ganhou uma versão total gente grande para TV. Vai lá ver que está lindimais!
“a longa viagem a um pequeno planeta hostil” é uma ficção científica toda fofinha sobre a tripulação de uma nave tuneladora do espaço (sim, túneis no espaço). Cada um de um planeta diferente, encontrando convívio entre suas diferentes culturas e completando missões. A história central não tem nada de mais (só chegar a um local), mas a complexidade das personagens é bem legal. É o primeiro de uma série de 4 livros.