Esse mês vai chover e eu estou aqui buscando disciplina para escrever.
Felipe, você é feito de açúcar por acaso? Dissolve na água?
Não, não é nada disso, é que quem me conhece sabe que eu sou é feito de sal. E pimenta moída. E talvez um pouco de cominho e noz moscada.
Ok, sem zoeira. É porque eu gosto de rituais. E eu gosto quando chove.
Fundiu o célebro aí? Rapaz, aqui também. O que tem chuva a ver com rituais?
Nada, é apenas poesia. Deveria chover depois de todo os rituais e limpar o clima, começar do zero, sabe?
Eu adoro um ritual. Eu não sei se sou ateu, mas com certeza, sou pagão. Mas eu sou o ateu pagão mais fã de rituais e procedimentos religiosos. Eu fico tentando entender de onde vieram e quais eram os significados quando surgiram e quais as funções que esses rituais preservam.
Fora os rituais sagrados, a gente ainda é abastecido de rituais da nossa cultura: aniversários, vestibular, chá de bebê, festa junina, casamentos, formaturas e Natal e esse aí que rolou onteonte que foi o reveilão.
Enquanto ritual, o Ano Novo é o mais light. Não tem procedimento, não tem símbolos específicos, não tem reza, dança, canto, cerimônia, nada disso; só tem duas regras: tem que ficar feliz à meia noite e tem que usar roupa branca (mas pelo que eu apurei a segunda regra só vale no Brasil, herança provavelmente do candomblé).
Mas tem é muita birita, como é de praxe em terras brasileiras (e pelo que apurei, a regra vale no mundo todo).
Mas tem uma coisa que todo o feriado tem (e a maior parte dos rituais também tem): eles exigem do corpo e do espírito. Tem que fazer um esforço mínimo, nem que seja esforço só do fígado. E aí que a gente acorda no dia seguinte diferente. Por que, oras, se passar por um rolêzão baita desse e não acordar diferente no dia seguinte, de que serve o ritual?
De serve tomar aquele keep cooler grudento pulando sete ondinhas no Praia Grande se na hora de subir a serra você não sente nem um pouquinho diferente?
Ou, como disse o farmacêutico:
O lombo ardendo de sol, a gritaria das crianças no banco de trás, a luz da gasolina piscando e custo da viagem que não coube no orçamento são todas as partes fundamentais da grande mudança que não muda nada de verdade, mas a gente se sente bem com o esforço.
E com a dor, com o desconforto, com a ressaca, com a mudança que não vem vindo aí.
E aí eu gosto quando chove. A chuva é meu ritual preferido.
O dia do evento é de euforia. O dia seguinte é o do cansaço. E quando chove me dá uma sensação de limpeza e de recuperação. O ambientalista que mora dentro de mim sabe que quando chove a sujeira do céu continua firme e forte na rede de coleta de água. Mas o poeta dentro de mim fica se sentindo como se a abençoada água tivesse levado a maldade embora. O ar fica mais limpo, o verde fica mais verde e tudo fica parecendo propaganda de sabão em pó.
Aqui em Campinas chove no verão. E em geral no fim da tarde. Janeiro é o mês das chuvas fortes e cai como uma luva para limpar os olhos marejados de festas. É como se na primeira semana de janeiro a vida voltasse às configurações de fábrica, novinha para ser reconfigurada, como um celular novo, com os aplicativos tudo fora de lugar e a gente perdido igual cego em tiroteio.
Mas tem aquele cheiro de aparelho novinho recém saído da caixa. Tudo culpa da chuva.
Quem sabe esse ano eu finalmente consiga instalar o aplicativo de disciplina na minha vida, consiga dormir todo dia às 22h, faça academia o ano todo, escreva 1000 palavras todos os dias sem falta.
Se não der, ano que vem eu tento de novo.
Bêjo
Participei desta coletânea de quadrinhos que acabou de sair. São diversos roteiristas e desenhistas. Eu entrei em dupla com o Nicolas Santos e a revista tá lindona. Pega uma para você dormir mal a noite! Na minha mão é mais barato.
Na eterna busca de fazer o universo Star Wars render cada centavo que puder, dona Disney lançou o roteiro menos criativo o possível: 4 crianças encontram uma nave pirata espacial, um pirata de moral dúbia e pulam de planeta em planeta tentando voltar para casa. Estou amando.
Você sabe o Guns and Roses? Não? Não importa. Slash, o guitarra solo do Guns lançou essa primeira tentativa de carreira solo lá em 94. A banda Slash's Snakepit lançou só dois discos. Os dois melhores discos de rock da história da humanidade. Com certeza. Sem disputas. Se alguém duvidar é porque se confundiu e não sabe o que está falando.