O universo cumprindo suas promessas
A saga do escritor que insiste em atravessar a realidade
Comecei a escrever porque era este o furinho da panela de pressão. Não, calma, a panela não está com defeito (só a receita). O furinho é o de fábrica, o da válvula. E não tinha como ser nada mais do que isso, porque a gente precisa dar certo na vida para ser um escritor de sucesso. Mas a gente não tem exatamente como saber quando as coisas deram certo se é que um dia dão. Quando é que nos descobrimos bons profissionais? Quando é que a empresa deslancha? Quando é que sabemos que somos bons pais? Quando é que a gente dá certo como ser humano? Quando é que a gente sabe que faz sucesso?
A gente não dá certo. A gente toca adiante. E a pressão estava equilibrada e tudo bem. Sai uma fumacinha e um cheirim bão e tudo bem. Publiquei um livro. E outro e uma revista e outro livro e por aí se vai e enfim comecei a pensar que eu era escritor. Não um escritor que deu certo, mas um escritor. Quando é que a gente sabe que deu certo como escritor?
E aí que - plot twist - um dia alguém me disse que haviam ainda revistas que compravam contos. Compravam com dinheiros! E em dinheiros gringos que as revistasa são gringas E eu achei aquilo… um desperdício de tempo, oras que lá eu quero publicar contos em revistas underground gringas? Bem… As revistas não são revistas como se espera que sejam calhamaços de papéis brilhantes lisinhos grampeados e colados. São sites com textos como este aqui que você tem diante dos olhos. Ou seja, não tão glamour. Mas paga. O pagamento não é grande coisas se você pensar em termos gringos. Mas na hora que se traduz esse calibre de grana para o português, dá quase uma fortuna tupiniquim.
[Em números: as revistas mais cotadas pagam US$ 0,10 por palavra. Em um conto com 5 mil palavras, que é uma história consistente, dá para angariar US$ 500, o que na cotação de hoje deu R$ 2.791. Bom? Bom. Sustenta uma família? Aí não é para tanto.]
A novidade vem com um aviso: olha, é super concorrido. Tem gente do mundo inteiro mandando textos lá, o processo de seleção é rígido, mas vale a pena porque engorda o currículo, etc.
Para mim, estas são a cenourinha amarrada no palito pendurada diante dos meus olhos. É o que me mantém andando. E bora andar e escrever e se eu for aprovado, tanto melhor. Mas, olha, é difícil hein? Mas vale a pena. Mas é difícil. É raro. Tem que insistir muito!
Tanto faz, eu só quero batalhar a minha motivação, um fator ainda nebuloso para mim. E se a revista tem prazo para entregar e ainda uma chance de render uns trocados, essa é a motivação que eu queria.
E cá estamos, escreve um pouquinho, revisa, manda para uma revista gringa. Escreve um pouquinho, revisa, manda para outra revista. Lavar, enxaguar, repetir.
Quando veio a minha primeira rejeição, comemorei com os colegas escritores. “A primeira de muitas!”, “Não desanima, não!”, “É assim mesmo!”, “Bem vindo ao time!”. Etc, etc.
Eu estava psicologicmente preparado para ela.
O que eu não estava psicologicamente preparado era para receber outras duas rejeições no mesmo dia.
A primeira me chega às 9h30 e a segunda às 15h.
Duas no mesmo dia com seis horas de distância é pedir demais do póbi do escritor! É aumentar a pressão da cabeça. O furinho não vai dar conta!
Mas me avisaram? Avisaram. Era esperado? Era.
É só as coisas acontecendo do jeito que deveriam acontecer. O universo cumprindo suas promessas de não fazer promessas, não entregar nada. As coisas vem do jeito que vem, quando vem e você que esteja preparado. Se não vier, não veio. É o que é. Segura tu esse rojão.
Nada disso está no meu controle, então, não tenho como interferir. O que está no meu controle é o que eu escrevo depois disso. Então, bora escrever mais um cadinho.
Lavar, enxaguar, repetir.
Bêjo!
Saiu a décima quarta temporada de Bob's Burguers, uma série de animação sensaciocrível sobre uma família levemente desfuncional dona de uma hamburgueria. É apaixonante e tem um humor muito mais leve do que Simpsons ou Family Guy. Na Disney+. Recomendíssimo!
Se você está com saudade da pandemia de covid-19 como eu não estava, leia essa HQ maravilhosa. Nela uma “influencer” branca podre de rica convence sua empregada negra a passar o confinamento com ela. Tem racismo, tem luta de classes, tem dor, tem sofrimento e ainda tem covid-19. Só para quem está com o prozac em dia. tem 128 páginas e custa R$ 80 e poucos por aí. Vale cada dolorido centavo.