O pirralho de hoje; o homem de amanhã
Não é no Brasil, é nos Estados Unidos. Mas com a nossa mania de copiar as coisas, logo logo chega aqui.
“O Brasil não é um país leitor” diz a língua solta do populacho. Será verdade? Ou será que os 5 milhões de exemplares de livros do Harry Potter vendidos em território nacional não bastam? São 7 livros para completar a saga do jovem aluno de bruxarias e mais alguns livros paralelos (A Criança Amaldiçoada, Criaturas Fantásticas, etc) então, se dividirmos 5 milhões pelo universo todo e depois pensarmos que o Brasil tem 210 milhões de gentes, talvez esse número não seja tão impressionante. Mas esse é o universo infanto-juvenil. E gentes grandes?
Bom, segundo "Retratos da Leitura no Brasil", pesquisa realizada pelo Instituto Pró-Livro, metade do Brasil (53%) não lê. Mas a outra metade (47%)… lê. E o big hit de uns anos atrás aí, o Torto Arado, bateu milhão de exemplares vendidos aqui em terras brasilis.
Isso é bom? É um número grande? Importante? E nos EUA, como é que é? Nos EUA, os dados são bizarros. Lá eles tem coisa 310 milhões e, também, metade são leitores, metade não.
É de se comemorar, porque Torto Arado não é um livro sobre um aluno de bruxaria que teve oito filmes como acompanhamento nem uma estrondosa campanha de marketing. É um livro difícil, de leitura cifrada de uma história de um período e localidade específica e até com uma mudança de eu-lírico mais para o final. Ou seja: não é um livro fácil. Não é uma leitura universalizada.
“Café com Deus Pai” é um livro que comenta versículos da bíblia lançado em 2020 quando vendeu 30 mil exemplares. A edição revisada de 2021 vendeu impressionantes 150 mil cópias e a versão de 2024 vendeu 180 mil. Um sucesso estrondoso. Os meus ainda não bateram 1000 vendas cada. E o meu primeiro lancei em 2007 (eu não tinha nem barba)!
E isso responde a pergunta, “o Br é um país leitor? Literarizado?” Responde-se com outra pergunta: o Brasil é um país tecnológico? É militarizado? É agrícola? Qual a característica que define nossa terra?
Cá tá a resposta: o Brasil é plural, é amplo, é difícil. O Brasil é um país.
É o que a gente faz dele.
Na gringa a conversa é outra seja porque na Europa o hábito da leitura é instigado de outras formas e o convívio social é outro e nos EUA a economia depende de um estímulo agressivo do consumo no varejo, o que inclui a indústria editorial. E daí, a gente não pode se pautar por essas coisas porque a gente não mora lá.
Mas tem que olhar para fora para entender o que pode, ou não, chegar às nossas praias, como quando a juventude brasiliense se beneficiava da possibilidade dos país diplomatas viajarem para fora e trazer discos de punk para seus moleques, o que empurrou os riquinhos a começarem o movimento punk nacional que se alastrou e ainda moldou o rock nacional.
Então eu fui olhar para os EUA um cadim e descobri que existe uma tendência brutal de feminilização da leitura. 75% de quem macera o teclado são mulheres e, como é natural de nós, escritores, contar ao mundo histórias que aprendemos e pensamos, vamos necessariamente despejar no papel nosso próprio ponto de vista, o que fará com que a escrita acabe por ter um foco de interesse um pouco mais feminino.
Não sei se fruto ou consequência, mas mais escritoras também quer dizer mais leitoras. Em torno de 50% das mulheres (também nos EUA) se declaram interessadas em livros enquanto apenas 33% dos homens. No Brasil essa tendência não chegou. São 54% de leitoras e 46% de leitores, mas pelo que tenho tido de contato do mercado editorial e dos eventos literários, aposto que logo logo chega.
O futuro é mesmo feminino e isso está surgindo na literatura.
Então eu só posso concluir que o interesse dos homens e dos meninos por livros tende a diminuir com o tempo. E daí, o que isso vai quer dizer com o tempo?
Não sei. O futuro à sua entidade sobrenatural preferida pertence. Mas uma coisa eu sei. Livros são parte da formação do caráter da pessoa. E uma parte da formação do caráter das pessoas que tenho notado fazer muita falta para o homem de hoje é exatamente o que é ser homem. É óbvio que essa não é uma pergunta com resposta objetiva. O bom da sociedade atualmente (um dos poucos) é que temos todos do especttro de identidade, a liberdade de assumir o papel social que quisermos, dentro daquilo que a gente conseguir negociar com nosso círculo próximo. E isso é bem legal.
Só que esqueceram de explicar para os machos heterotops.
Aquela galera que tinha a mais absoluta e arraigada certeza que tinha por obrigação sair cedo de casa, pegar firme no batente e voltar para casa com o bolso recheado de grana o suficiente para defender a honra da sua família. E mais NADA.
E aí que a pessoa que só sabia e só queria trabalhar não desenvolve laços afetivos, não assume responsabilidades domésticas, não consegue olhar para nada muito mais complexo e, ainda por cima, se tiver esse frágil papel de provedor balançado, entra me desespero.
E homem em desespero é um problema. Vive enchendo o saco e resolve todas as questões emocionais na porrada. E o único conhecimento que vai passar adiante é esse mesmo. Então ninguém explicou para esse cara que ele poderia ser um pai incrível ou um marido excelente. Se explicaram, entrou por um ouvido e saiu pelo outro. Resultado, esses caras viram presas fáceis para discursos pré-fabricados de “seja mais homem” e vai acabar parando em um movimento tipo legendários, que tem um discurso meio militar e meio religioso fanatizante que ao fim das contas beira o facismo.
Como eu tenho uma filha, a última coisa que eu preciso é que ela encontre por aí um filhotinho dessa esquisitice aí.
Minha parte é, portanto, contribuir o que eu puder para essa fatia que está progressivamente sendo esquecida pela indústria literária. Eu espero que esteja à altura da tarefa. E eu espero que o moleque de hoje tenha acesso a mais livros que mostrem grandes heróis que usem mais seu afeto e seu caráter do que seus punhos. Não foi nada fácil ser adolescente nos anos 90. E o adulto de hoje é meio resultado disso.
Mas pelo menos eu tinha a coleção Vagalume na época.
Bêjo