Não existe livro bom. Não existe livro ruim. Julgue-os todos pela capa.
(menos os meus; os meus são excelentes, compre sem nem ver! :ˆP)
É bem engraçado ouvir pessoas discutindo arte. Não, eu não estou julgando ou diminuindo. (Achar engraçado é um julgamento? vai ver que é…)
Mas é diferente. Ok, isso é julgar também. É estranho ver gente falando de artes e em especial livros. Ok, isso também é julgamento.
Mas eu não sou livre de julgamentos. E não é com maldade.
Tá bom, Felipe, agora para de discutir semântica e fala logo o que você acha de pessoas falando sobre livros. A gente te perdoa.
Ai, obrigado, vocês são o máximo. Te amo. (eu falando sozinho)
É que, assim, eu odeio uma tonelada de livros, séries e filmes. E amo outros tantos. E os que eu odeio podem ser o livro de cabeceira do amorzinho do coração da fofura da vida da pessoa. E os que eu amo podem ser o que alguém odeia do fundo da alma do âmago do fígado. Vai saber. Então eu não julgo. Como vimos no primeiro parágrafo.
Tá, julgo. Mas não falo nada. Só escrevo.
Então arte é qualquer coisa que a gente jogar na parede e grudar? Não, é claro que não.
A maior parte das pessoas acha que a arte é um dom e de repente - PUF! - surge dentro do artista. Música? Talento. Dança? É dom? Escrita? Nasceu sabendo. Não, não é bem assim.
Tem técnica para tudo na vida. Tem manha. Tem construção. Uai, o ser humano não está contando histórias desde que sentava ao redor do fogo nas cavernas? E em 10 mil anos não normatizou nada? Não padronizou nada? Não criou nenhuma tecnologia?
O homo qualquercoisens na beira da fogueira aprendeu rapidinho que tem um jeito certo de cozinhar o bicho certo em cima do fogo mas não sacou que toda vez que conta uma história assim ou assado o efeito nas pessoas é outro? (“Assado”… hihihih)
Sim, tem jeito de cozinhar e tem jeito de escrever. Aliás, já que estamos na metáfora comida, vamos esticar o assunto: toda comida é boa? Aí depende. Tem gente que gosta de torresmo tem gente que não gosta. Tem gente que ama sushi, tem gente que tem pavor. Tem gente que come a feijuca com pé, rabo, orelha, joelho e focinho e tem gente que é um floquinho de neve delicado cheio de frescuras e não está pronto para viver em sociedade. E a gente tem que aceitar os gostos das pessoas e entender que “bom" ou “ruim” é bastaaaaaante relativo.
Mas o “bom" e o “ruim” e os gostos da pessoa só podem surgir a partir de um determinado ponto do processo fabril do torresmo. Tipo, ninguém vai comer torresmo cru, porque isso faz a pessoinha ir de caixão e vela preta. E porque é nojento também. O mesmo torresmo não pode ser muito peludo. (Já pegou torresmo peludo no bar? É zoado, faz cócegas no céu da boa). Torresmo vai bem com sal e limãozinho. Mas não presta com açúcar e canela (ou, sei lá, se você souber o que está fazendo tenta, vê se presta).
Feijoada também. Se você tirar as carnes do porquinho e encher de cenoura, jaca, abobrinha, côco e abóbora, tirar o feijão e colocar ervilha, porque é quase a mesma coisa, sua gororoba não atinge o status mínimo exigido da feijoada. É a feijoada criada por inteligência artificial. É a feijoada dentro da margem de erro do IBOPE.
Então tem jeito certo de fazer as coisas? Não. Tem o jeito mínimo de preparar. Se não, nem torresmo não é. Mas essa regra não é assim tãããão rígida. Mas é uma regra. Regra mole, vamos chamar assim.
Com as artes sim, funciona EXATAMENTE do mesmo jeito. Não dá para servir um escritor cru. Tem que fritar bem fritinho, crocante e estalante, senão faz mal. Há um mínimo necessário para você comer seu escritor preferido (por exemplo, com camisinha.)
E isso, meninos e meninas e não-binários, é parte do que se entende por qualidade. Às vezes, o artista erra bem erradinho, perde o foco, erra nas técnicas, perde a mão. Acontece. Acontece com cozinheiros também. A gente esquece o feijão no fogo e depois tem que comer com saborzinho de carvão. Mas em geral, quem domina as técnicas, fez cursos, workshops e os caraio a quatro tem bases sólidas onde criar. E essas bases transparecem no texto.
A sensação é que você está discutindo qualidade. Não está. Você está diante de uma feijoada vegana.
Atingindo-se os quesitos mínimos, ainda assim o bicho pega. A gente pode primeiro, estar diante de uma obra pensada para outro tipo de público. Tem livro para criança, tem livro para adolescente e tem livro middle-grade, pensado na galerinha ali dos 9 aos 13 anos, uma era bastante bagunçada na vida da pessoa.
E depois da adolescência ainda tem os young adults, que vem depois da adolescência, mas a pessoa ainda não está pensando nas grandes questões filosóficas de como pagar seus próprios boletos ou sair da casa dos pais.
Além da idade do público tem todas as questões de gênero literário (romance, horror, fantasia, ficção científica, romance histórico, romanstasia, romance sáfico, afrofuturismo). E ainda por cima esses gêneros tem diversos subgêneros e as fronteiras entre eles nem são assim tão rígidas. E dentro dos subgêneros, tem a mão do artista e aquela sujeirinha preta no cantinho da unha da mão esquerda que todo o sabor do livro. Tem escritor que tempera com flor de sal. Tem escritor que põe pimenta malagueta. Tem escritor que usa plutônio.
E depois disso tem o clima geral da coisa e como você quer se sentir. Algumas pessoas tem experiências de vida que fazem com que o assunto ou alguma cena do livro seja meio difícil de tratar. Eu tenho um livro sobre um assaltante que descobre como expandir seus negócios. Ele cresce na vida e terceiriza os roubos. Sim, tem bastante violência. Uma vez alguém estava folheando o livro em uma feira e quando eu expliquei o tinha nele, a pessoa fechou o livro e devolveu à mesa com força. Olhos arregalados, a pessoa me explicou que aquele assunto passava muito perto da realidade para ela. Uma realidade que ela não queria reviver. Não tem nem que discutir, né?
É bem difícil julgar a qualidade de um livro. Existe faculdades de letras e literatura e existem critérios técnicos aprofundados para graduar um livro. Esses (muitos) critérios podem levar em consideração contexto histórico, por exemplo. Um certo livro é um clássico porque foi representativo de sua época e encabeçou um movimento literário. Ou reflete um movimento social importante. E nenhum desses critérios ajuda você a saber como você vai se sentir ao ler esse livro.
E isso é o mais importante.
Qualidade do escritor é acertar as notas certas dentro de você.
Olhe atentamente para as quatro capas dos livros abaixo. Pense com carinho que emoções despertam dentro de você esse moço com a barba milimetricamente calculada para parecer displicente dando um pega na mocinha. Esse climinha escuro, a letra vermelhona com voltinhas a “virgem" em dourado? Chique? Elegante? Sensual?
Pule duas casas: duas moças, cores vibrantes, bastante rosa, desenho com poucos detalhes, estrelas, fone de ouvido, ônibus vermelho de dois andares…
E o carrinho de bebê vitoriano, o galho seco esturricado, as nuvens pesadas, objetos cortantes pendurados por um fio?
Tá sentindo sensações sensacionantes?
Colocar um livro no mundo é 85% esforço do escritor. Mas os outros 15% são uma galera que pode mudar seu mundo. Um deles é o designer da capa. A capa tem que instigar as principais emoções que o leitor vai encontrar lá dentro. É uma promessa do conteúdo, uma viagem em direção a uma realização (ainda bem que a realização é segura, está presa entre as capas do livro e nós não temos que sentir essa barba desse CEO roçando na nossa nunca).
E o designer trabalha, viu? Só de saber escolher a fonte certa já merecia um prêmio. Põe aí as fotos, desenhos, efeitos na foto… Não, não é o melhor jeito de escolher um livro. Melhor mesmo é encontrar um youtuber que já o tenha lido e faça uma análise ponderada racional e compreensiva dentro do que o autor se propõe e como esse livro se desenvolve em seu contexto. Mas como isso é meio raro ainda (a maioria dos influenciadores costumam falar do que gostam pessoalmente, já que não tem formação acadêmica ou o que lhes pagam para falar), vai pela capa que é sucesso.
Aí, para terminar o assunto ora em pauta, uma denúncia de um crime hediondo: umas amigas estavam com os livros se acumulando na estante. E para estimular a leitura (!), combinaram de encapar os livros, atribuir um número a cada um e aleatoriamente sortear o número para ler sem ver a capa. SEM SABER O QUE TINHA DENTRO!!! SEM SABER SER ERA ROMANCE, COMÉDIA, HORROR!! SEM SABER QUE EMOÇÕES EVOCAVAM!
As hereges. Comunistas. Coisa de gente ruim isso.
Depois dessa, fui sem bêjo.
Estou terminando este que deve ser o melhor do Jim Anotsu. Esse mineiro de 36 anos tem uma carreira meteórica (publicado em 13 países!) Já li três ou quatro deles. Aqui um garouto fica amigo da filha da morte e vai com ela em uma missão de encontrar os três nomes do gato. É um show de surrealismo. O homem escreveu com a rédea solta e tudo faz perfeito sentido. História boa, personagens com vozes distintas, plot instigante. Recomendo. Na faixa dos R$ 45, 320 páginas.
O que foi isso que eu assisti? É… uma animação original da Netflix, que tem uns centauros. E tem técnicas de desenho variadas. E… bem… é… Tem uma aventura lá, eu acho. E é meio que engraçado. Mas é esquisito também. E um pouco triste. E de vez enquanto é confuso. E… Eu preciso de um tempo. Talvez eu precise de um abraço.
O mundo pode ser uma merda, mas a trilha sonora é genial! Katzenjammer é uma banda norueguesa de… folk com jazz com rock e… simplesmente ouça. É alegre, para cima, com arranjos perfeitos e ainda por cima esse baixo gigante de madeira com cara de gato. Tem erro não. Tem Katzenjammer no spotify!
A história em quadrinhos Brado Retumbante é da roteirista Nádia Freire com o maridão Fernando DeP. Não é só o casamento que deu certo. A HQ também! Aqui você acompanha uma soldado do DOI-CODI se revirando em culpa e arrependimento quando uma de suas vítimas vem falar na sua orelha. Custa míseros R$ 60 e tem estonteantes 144 páginas!