Colesterol alto

E a ciência, a marvada ciência, quer que eu erga pedras como um operário egípicio.

É claro que o colesterol está alto. São 45 anos dedicado ao dolce far niente, a ser um bon vivant, a realizar o menor esforço possível, a não suar a camisa. Afinal, suar a camisa envolve ser uma engrenagem desgastada no opressor sistema capitalista. E suja a camisa, pô! E eu gosto da camisa. Tem o tom de preto que eu gosto.

Acuse-me do que quiser, mas não acuse-me de hipocrisia. Meu primeiro livro, o livro das coisas que acontecem por aí (2007) foi escrito no e para o bar, esse pedacinho sujo e sagrado de chão que recebe a todos de portas abertas e os expulsa à vassouradas quando se tornam bêbados inconvenientes. Foi comendo muito torresmo e coxinha e limpando a mão na perna da bermuda que o escrevi.

Fazendo amigos e perdendo saúde

Meu segundo livro, Perdeu, Playboy! (2010) foi escrito no bar também. Mas aí o assunto já era outro, porque chega uma hora que o tema cansa. Mas a perna da bermuda continuava encardida e engordurada.

Assim como o pano velho, as artérias também acumularam gordurinhas, testemunhas de uma vida de ranzinza bem vivida. Fiz amigos no bar. Revi amigos no bar. Gastei dinheiro no bar. Encontrei amores no bar. Perdi-os no bar também. Já na academia, nada disso. Perdi boa vontade na academia. Perdi felicidade na academia. Não perdi quilos na academia. Sei lá por quê. Meu organismo é diferente, não evoluiu o suficiente para sair do bar.

Mas também, é tudo drama. O colesterol está alto mas não está assim aaaaalto. Tá ali no limitezinho superior. Sabe o valor de referência? O recomendado? Eu fugi do recomendado, como sempre na vida.

Agora eu preciso seguir o recomendado. Dançar conforme a música horrenda que tocam nas academias, aquele barulho difuso cuspido por dezenas e pequenos falantes roucos. Que inferno que é ter que fazer como todo mundo!

Na minha família, somos muito especiais nesse aspecto. Não fazemos como todo mundo. Uma coisa que não fazemos é contribuir para a expectativa média de vida da população masculina. Segundo o IBGE, a expectativa de vida do homem é de 76,4 anos. Nós, italianos briguentos, não queremos nem saber desse tal de ibegeé aí, a gente já vai morrendo com 40 e poucos anos mesmo.

Meu vô, vivendo sem pressa, pensando nas coisas da vida

Fato verídico: meu avô perdeu seus 3 irmãos em 22 dias. Assim, pá pum. Todo mundo infartado na faixa dos 40. Primeiro foi um tio-avô, dois dias depois, uma tia-avó. Vinte dias depois, o derradeiro. Meu bisavô enterrrou 3 filhos em menos de um mês. Sobrou meu avô, que esticou até os 86 anos, mas não sem ter 3 operações de pontes de safena.

E esse é o destino que me aguarda pois estou neste exato momento dom 45 anos de idade, a faixa etária que devastou meus tios-avós.

E para isso, ou melhor, para evitar isso, conto com o mais avançado programa de cuidados preventivos e as mais precisas tecnologias de preservação da saúde: a academia, o alface e o frango grelhado.

Frango e alface. Estou fazendo certo, né? Tem até fruta nessa refeição!

Até que alface e um franquinho apimentado descem muito bem. Mas a academia para mim, ultranerd, ainda continua ocupando o lugar mais escuro do meu cérebro. Academia é um contrassenso! É uma estupidez! É um desperdício monumental de esforço, tempo, dinheiro, tudo.

Pensa comigo:

Terreno em área nobre aqui nas Campinas: uma fortuna
Projeto arquitetônico: meia fortuna
Engenheiro: meia fortuna
Material de construção padrão médio: duas fortunas
Mão de obra especializada: uma fortuna e meia

Abre-se uma empresa de fazer esforço repetitivo:

Decoração, televisões, espelhos, alto-falantes rachados: uma fortuna
Equipe de funcionários: duas fortunas
Impostos, licenças, alvarás, luz, água, internet, IPTU: ahhhhahahahahhhh!!!

Somando isso dá… vai o zero… noves fora… divide por dois… Um Elon Musk de dinheiros! Tudo isso para que eu possa acordar muito cedo, antes do sagrado cafezinho para ir até um espaço com música ruim, cheiro ruim, ambientação ruim, com gente ruim se olhando no espelho e ficar em um cantinho fazendo esforços repetitivos sem resultado.

Na aula de física eu aprendi tudo sobre isso aí: pega a energia potencial, transforma em energia cinética. Pega a energia potencial, transforma em energia cinética…

Energia cinética, energia potencial, energia cinética, energia potencial, energia cinética, energia potencial, energia cinética, energia potencial, energia cinética, energia potencial, energia cinética, energia potencial…

Lavar, enxaguar, repetir

A mais avançada das mais avançadas das conquistas da medicina, do estudo cuidadoso da biologia, milhões gastos em pesquisas, equipamentos que conseguem enxergar dentro das minhas artérias e se bobear até dentro da minha alma para quê?

Para que um médico me recomende alface, frango e…

Energia cinética, energia potencial, energia cinética, energia potencial, energia cinética, energia potencial, energia cinética, energia potencial, energia cinética, energia potencial, energia cinética, energia potencial…

E ao fim e ao cabo, depois de todo esse esforço, muito suor, muita camisa preta já virando um cinza chumbo desmaiado, o que eu tenho para mostrar? Nadica. Nem uma piramidezinha digna do vigésimo gato preferido do faraó.

Ah, mas é o fim…

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Sabe qual é a definição da palavra “não"? É esse poster aí. Na Amazon Prime tem uma temporada (8 episódios) do The Office australiano. E não. Simplesmente não. Nunca. De jeito nenhum. Nananinanão.

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Lembra dos Raimundos? A gente achou que depois que o Rodolfo encontrou Jesus e o Caniço foi ver Jesus ao vivo a banda tinha acabado. Eles se ajuntaram e colocaram o bonde para andar de novo. Só não sobrou aquela mistureba sensacional de baião, hardcore e forró. As músicas mais recentes são só o puro suco do hardcore muito do bem feito. É como encontrar um amigo de escola depois que todo mundo teve filho.

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Este livro é espetacular. Um conto bem legal dentro de uma cuidadosíssima reconstrução histórica da época da escravidão no Brasil. E com duas personagens se alternando na narração, uma delas sendo uma mulher escravizada. Leitura bem tranquila, apesar do tema pesado.