A satisfação de um treco bem feitinho
O Felipe estagiário e o Felipe CEO se encontram...
A gente tem muita dificuldade de desgarrar do trabalho bem feito. Quem foi que nos ensinou isso? Seria um grande problema com o sistema educacional brasileiro? Ou um traço da moral herdado de sabe-se lá onde no nosso tenebroso passado?
Você já ouviu falar que “feito é melhor que perfeito”? Estas palavrinhas são uma boa ferramenta de desenvolvimento. Ajuda a empurrar o mundo para a frente. Pelo menos, ajuda a me empurrar para frente. Mas, assim como todas as ferramentas do mundo, (físicas, digitais, imaginárias, psico-sociais e aeroespaciais), ela não serve para tudo. Tem hora que o feito não serve. Às vezes o feito é muito ruim para aquela situação, é onde o perfeito vem muito bem a calhar. E as outras vezes, o feito é muito mais do que precisava. A gente precisa aprender a começar a medir os custos das coisas e os resultados das coisas e parar de querer ser o melhor em tudo.
O melhor em tudo, nunca vai ser o melhor. Ou, ao menos, nunca será a melhor opção.
Muito do mundo das artes é meio competitivo. Trabalhei muitos anos com músicos e a maioria tem uma obsessão de melhoria técnica. É compreensível. Ser ruim em algo é mais do que razão para não ser contratado, não ser ouvido. Ser médio em algo também não quer dizer bons resultados (e bons pagamentos). Mas ainda assim, a maioria das pessoas está se aperfeiçoando todos os dias. E depois desse aperfeiçoamento todo, a gente chega lá na ponta da qualidade, descobre que tem sempre alguém muito melhor e descobre também que os rendimentos e os resultados não são proporcionais ao esforço.
Algumas posições exigem o melhor do melhor do mundo. Se você vai tocar violino na Sinfônica, pilotar um carro de Fórmula 1, um avião, um helicóptero, projetar uma ponte ou um prédio, sim, o melhor do melhor do melhor é muito bem vindo.
Mas e se esse violinista for tocar na festa junina? Ou o piloto for dirigir um uber? Ou o engenheiro for projetar casas populares em uma ocupação? Precisa ser o melhor do melhor do melhor?
Não necessariamente. Pode ser o pior? Também não!
Só não precisa trazer o seu melhor todos os dias e ter todas as exigências do mais alto refinamento das artes. As prioridades são outras. Já peguei uber com um motorista que jurava ser piloto de fórmula 1. Uma estrela. Eu quero chegar vivo, não quero chegar ontem!
E o engenheiro? A casa da ocupação não pode ser feita de qualquer jeito, mas a prioridade não é durar 150 anos. É ser construída rápida, para muita gente, antes que as políticas de ocupação mudem. Com conforto térmico, com possibilidade de ampliação, com acessibilidade, com custo baixo, etc.
As prioridades nem sempre são as mesmas e o que a gente entende por “qualidade”, nem sempre é o mesmo também.
Aqui também é assim. Tenho que entender mais eficientemente qual é a hora de ser o CEO da carreira e ter a visão do mercado do texto, ficar de olho nas pesquisas, ver o que fazem os colegas e gastar minutos e mais minutos experimentando como aquela tal palavra cabe naquela frase, se soa bonito e expressa o que eu estou pensando ou se eu tenho que abrir outra frase só para dar mais informações (sim, eu faço isso).
Afiar o machado e fazer perfeito é uma tentação muito confortável às vezes. Ficar planejando indefinidamente até as condições de temperatura e pressão serem exatamente as ideais e o produto estar exatamente pronto pode deixar a gente sem fazer nada.
Fazer amando, fazer se divertindo, fazer quebrando regras não é fazer malfeito. É estar em movimento e nós temos espaço para errar, voltar atrás e tentar de novo, por que não?
Em outras vezes, a prioridade não é essa.
Às vezes a gente tem que mandar o vilão rolando morro abaixo para aterrissar de cara em uma poça de lama para o deleite da criançada que está assistindo. Às vezes a cena de sexo não precisa avançar a narrativa.
São escolhas que eu faço nos momentos em que estou prestando atenção à expectativa mais do que como refinar a minha arte, como aumentar meu vocabulário. Se não, logo estarei deixando de ser um escritor interessante e me tornando um garboso escriba de instigantes predicados.
Mais melhor de bão que não, né?
Então, o ensinamento do dia é:
“Dai-me café para mudar o que pode ser mudado, cachaça para aceitar o que não pode ser mudado e sabedoria para distinguir uma xícara de uma taça.”
Eu amo um poeminha de buteco.
E sabe de uma cousa? Eu demorei, mas consegui finalmente encontrar a satisfação de um trabalho braçal bem acabadinho. Um arroz com feijão feito com amor e carinho, sabe?
(interlúdio cultural: fazer feijão é difícil para caramba! Essa metáfora está toda errada)
E fazer o arroz com feijão pode ser uma lição de humildade no começo, mas depois acaba se tornando parte da arte. Acho que é coisa de quem tem barba branca. A gente vai ficando mais velho e começa a diminuir a grande fome de engolir o mundo e já começa a pensar em plantar um pequeno jardim.
E não é que pegar uns detalhezinhos também me deixa feliz? Carregar umas caixas, deixar a responsabilidade para o grande CEO (que sou eu) e fazer só mesmo aquilo que me pediram (eu de novo)?
Não ser o grande responsável pela direção que a vida toma pode ser um alívio. Pelo menos por um tempinho. O CEO não vai tirar férias.
Vai trabalhar, vagabundo!
Bêjo!