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Ok, agora podemos conversar que você já está na mesma camada do espaço sideral que eu. Eu subi mas não foi aos céus, foi para o espaço mesmo. Adoraria começar seu dia com a cabeça nas nuvens, embalado por fantasias desvairadas, palco de épicos, trilha de conquistas. Não, não, desculpe. Hoje estou boiando no espaço mesmo. O frio vácuo escuro do espaço, entre as estrelas, sim, mas a bilhões de quilômetros do corpo celestial sólido mais próximo.
Semana passada, não escrevi o substack semanal. Apavorei. Entrei em pânico! Me perdi no futuro. E o futuro, irmão, é um assassinato! Ahhhhh! O quê?!!!
Não, calma. Pensa, Felipe. Respira. O que é o futuro?
O futuro das artes chega da gringa. Sempre. É tendência que nós tupiniquins, bravos gueirreiros de terras tropicais somos sempre vítimas de softpower. (Softpower, do inglês, meter fofinho; pôr de leve, empurrar falando coisas doces).
Até não parece, mas é: as artes que nos chegam via indústria do entretenimento vêm mesmo que é para mostrar a superioridade, beleza, felicidade de um país para que os colonizados possam achar bonito tudo o que vem de lá e, como era de se esperar, comprar produtos. Por isso passamos as últimas décadas achando os Estados Nazistas não só a última bolacha do pacote mas também a bolacha mais sexy e recheada que existe, de onde jorram mel e leite.
(É claro que agora aprendemos que a última bolacha do pacote está mesmo murcha, caída e craquelada lá no fundo do pacote, cercada de migalhas - obrigado, Luigi Mangione.)
Isso no cinema. E na música? O rock veio dos Estados Nazistas, o punk veio da Inglaterra. Em Brasília, ali pelo fim dos anos 70, começo dos anos 80, embaixadores, deputados e dignatários em geral traziam para seus filhos, discos que eram moda lá fora, que não chegavam às lojas graças às nossas agressivas barreiras alfandegárias que os militares inventaram. Essa juventude entediada e ouvindo disco gritado acabou criando todo um movimento punk com Aborto Elétrico, Plebe Rude, Capital Inicial e por fim, Legião Urbana.
E mais recentemente, o softpower vem chegando da Coreia do Sul, com sua obscena proposta musical de K-Pop, um estilo musical que significa absolutamente tudo ao mesmo tempo agora, cantada por menininhos e menininhas para lá de fofos, mas que na verdade são trabalhadores de uma indústria agressiva.
Demora nada não, vai tudo virar chinês.
Aqui é claro, pensa o meu estimado leitor: escreve coisa brasileira, Felipe. Põe umas bruxas cearenses, lobisomem no mato grosso e vampiros rondando a Rua Augusta. Lança feitiço do candomblé e usa a mitologia indígena!
Lógico, e por que não?
Bem, porque primeiro de tudo eu preciso pagar boletos. E o caminho que eu enxerguei para vampiros do candomblé é um tanto longa. Existem caminhos. Longos, extenuantes e não remunerados. Até eu estabelecer uma base de leitores, despertar atenção de editoras e conseguir emplacar uma série da Netflix tem muito chão, muitas dúvidas, muitas possibilidades e muitos becos sem saída. É possível vencer no jogo do escritor/roteirista? Ou só se eu me converter em boleto, pois o boleto sempre vence.
Será que escritores não ganham dinheiros nenhum nunquinha? Perguntei ao Google e o Google falou pergunta para essa mina aqui e essa tal mina (nem lembro que foi mais) dizia em seu blog que sim, tem como ganhar dinheiros com escritos. E eu perguntei “como” e ela respondeu “vem na minha” e eu fui e…
BUM!
Fui lançado ao espaço. Mas não de um jeito gostoso.
Segundo a moça lá e agora segundo eu também, existe um sem número de plataformas que PAGAM dólares para o escritor publicar lá seus textos. DÓLARES, MEU, SABE LÁ O QUE É ISSO?? Bão? Bão. Quantos dólares? Muitos? Não. Poucos. Mas paga. E depois que tem lá um monte de condições predatórias (lógico) e condições de exploração voluntária da mão de obra. Sabe o Uber, o Ifood e o 99 que você é seu patrão, você faz seu horário e você controla sua renda e a vida é mega mansa, mas se você não trabalhar 10 horas por dia, tem que escolher se almoça ou se janta? É tipo isso.
Mas isso não é o maior problema. Nãããããoooo, nem de perto. O problema é você. Sim, você leitor, leitora.
Peraí que eu vou explicar.
Aliás, vou mostrar. Veja se você vê algum traço em comum aqui:
Estas são 4 das dezenas de plataformas onde o/a escritor/a pode publicar e ser remunerado/a pelos seus textos. Em comum? Machismo. Não, não é uma indústria dominada pelos machinhos heterotpo red pill. É, aliás, predominantemente feminina. No Brasil, entre os leitores, 54% são mulheres, 46% são homens (de acordo com a pesquisa Retratos da Leitura de 2024). Nos EUA a proporção de mulheres é bem maior e alguns artigos estimam em 80%.
E vamos às críticas a este fenômeno literário:
A qualidade desses textos é MUITO BAIXA. A maioria é escrita de qualquer jeito e muito mal traduzida. Parecem adolescentes escrevendo e IA faria melhor.
As capas são sim, todas iguais. Imagens geradas por IA de um homem “dominador”e uma mulher que acabou de sair do salão de cabeleireiro de olhos fechados.
O tema de TODOS os textos é o romance.
Todas as capas são de pessoas brancas.
A figura masculina é sempre agressiva. Ou é um CEO, ou o traficante ou um bilionário ou um lobisomem!
Aliás, esses romances são dividos por gênero. Se no mundo real terror, aventura, fantasia, comédia, etc, aqui as categorias são: Máfia, Bilionário, Lobisomem, Romance. Juro!!
Essa figura da moça simples e inocente que se vê envolvida com um homem poderoso mas que possui uma pequena fragilidade alimenta o arquétipo do “pode se apaixonar pelo cara tóxico que seu amor vai consertá-lo" de tal maneira que dá até saudade do príncipe encantado que só aparecia no fim da história com um beijo e um monte de dinheiro.
E por que, pergunta-me você, com razão ofendidíssimo/a leva a culpa por isso?
Porque enquanto essas plataformas são razoavelmente novas, elas foram moldadas pela demanda do público. Com certeza essas plataformas já experimentaram com terror, aventura, fantasia e comédia, esses gêneros não tiveram leitura e os de romances machistas tipo “a virgem e o CEO” tiveram milhões de leituras e as plataformas que arcam com custos de hospedagem e tráfego resolveram concentrar esforços naquilo que traz resultados.
E que resultados!
E talvez esteja meio pequenininho mas a última imagem aqui, a captura da tela da Moboread mostra as capas dos romances e as quantidades de visualizações. O primeiro título foi visualizado por 4 milhões de pares de olhos. Segue-se da esquerda para direita, 2 milhões, 1 milhão, 5 milhões e assustadores 12 milhões de visualizações.
Capitalismo, baby!
Tá vendo para mór di quê este escrivinhador que vos fala ficou boiando no nada esses tempos? Estou ainda digerindo o que fazer com tudo isso de informações e se eu não pego meu vampiro da rua augusta e coloco logo uma adolescente para se apaixonar por ele e enfrentar uma horda de lobisomens sem camisa e… ops!
Estou surpreso? Estou. Acho estranho? Bem, sim. Em qualquer livraria que se entra as prateleiras estão claramente divididas entre terror, comédia, fantasia, direito, administração e, olha, um sessão só de livros de tik tok! Que absurdo… Mas tudo bem porque a maioria da paisagem é de variedade, tem para todo mundo, tem muito infantil, tem muito quadrinho.
Talvez essa informação já estivesse na minha cabeça em algum lugar e visualizar essas plataformas a trouxe dos porões reprimidos do subconsciente. Mas imagine você entrar em uma livraria e todas as prateleiras estão forradas com a mesmíssima capa de livro.
Você sairia voando? Sua cabeça acabaria no espaço?
Bem vindo.
De volta ao trabalho não remunerado.
Bêjo!
Não vou nem recomendar livros, séries e HQs essa semana. Estou com a cabeça para isso não. Vou lá ler Turma da Mônica.
Debrucei-me no texto e adorei. Eu digo que um texto desse tipo é bom quando parece que estamos conversando com o autor, como em Jorge Amado, Fernando Sabino e outros escritores que gosto. E agora, Felipe Tazzo, meu sobrinho. Deleite e orgulho! Bjussssss
Eu sou muito doido, mesmo. Fico tentando encontrar meu caminho nesse mundo em que a remuneração é nula ou muito baixa... e ao mesmo tempo precisando aumentar a renda e correndo riscos financeiros. Doidêra.