Aparentemente ser feliz é muito difícil. Quem diria, no Brasil - esse estágio intermediário entre a herança do welfare state inglês que saiu de moda e o natimorto neoliberalismo - a coisa anda meio pesada.
Ser brasileiro era, dos meus tempos de criança, um estado de conformar-se com o jeito que as coisas são. Eu sou cria do “é assim mesmo” porque os milicos foram presidentes por 21 anos e eu nasci logo depois dos famosos anos de chumbo da ditadura. Lá na minha infância, a coisa era simples: não tinha internet, não tinha celular, não tinham muitos eletrônicos, os carros eram uma merda, os jornais, cinema e TV eram censurados e o Millôr Fernandes dizia com toda a propriedade do mundo que o Brasil tinha um passado enorme pela frente. Baita homem esperto esse, viu?
Os adultos eram inconformados com o descablabro que a caserna havia feito com nosso potencial e também inconformados com as bestas quadradas que se seguiram (Sarney, Collor, etc). Mas havia ali uma certa resignação que as coisas eram assim mesmo, graças a terem seus anseios individuais podados a tiros e em sessões de tortura. Discorda de um general para tu vê que coisa que é.
(interlúdio cultural: essa semana 4 generais foram presos e outros 20 foram indiciados pelos crimes cometidos em 2020 em diante; nenhum foi punido pelos crimes da década de 60 - morreram quentinhos em suas camas, cercados de família e amigos recebendo gordas pensões do Estado e envoltos na convicção que foram heróis para o Brasil. Blergh! E fim do interlúdio cultural.)
E aí que meus pais, seus pais, os amigos deles e os amigos dos outros não gostavam de não ter as mões nas rédeas da nação, mas também não havia muito o que fazer, então, resignava-se. Não acredito que meus pais, seus pais, seus amigos tenham atingido o nirvana da felicidade nessa situação, mas a mim, na minha experiência toda particular e apertadinha, na minha medida empírica da minha bolha, a simplicidade daqueles dias parecia tranquila. Era fácil ser feliz.
Ali fui forjado, aparentemente, e o mundo se abriu e se desdobrou e, dentro do que veio, tenho sido feliz. Dei sorte, creio.
Mas agora algo mudou bastante. Não vou depositar a culpa nas maravilhas tecnológicas, mas sim das maravilhas telecomunicacionais que nos trouxeram outras formas de viver e ver o mundo. Caso clássico: “seja um nômade digital e trabalhe enquanto viaja o mundo.”
Isso não existia. E agora existe. E agora algumas pessoas estão tristes dentro de seus casamentos e vidas familiares porque, bem, porque não existe um sentimento de resignação e de que o que a vida oferece é isso mesmo que está aí na frente.
Alerta: você está pensando agora na senhora presa em um casamento infeliz, parindo filhos em série, amarrada no pé do fogão e sem estudo. Não, não estou argumentando que a felicidade é assim. Não vou advogar em favor da escravidão doméstica. Estou dizendo que quando eu era criança e o mundo era menor, eu fui feliz. E não vai faltar coach e livro de sabedoria do minuto para argumentar que a felicidade está nas coisas simples. E que dinheiro não traz felicidade, argumentam os endinheirados.
Mas existe aquilo que desejamos ardentemente, que precisamos. E depois disso, existe aquilo com o qual não somos mais capazes de lidar, não cabe mais no nosso alcance emocional.
A metáfora para isso, aprendi em um curso de alguma coisa administrativa que fiz na longa estrada da minha vida. Em anos antanhos alguém sacou que ao invés de contratar mais funcionários, podiam promover (ou exigir) mais produtividade de cada funcionário. E foram lá estudar quais os fatores influenciavam a produtividade. Chibata, dinheiro, felicidade, amizade com o chefe, medalha de honra ao mérito, ameaça de morte, etc. Descobriu-se o fator higiênico.
Os lugares de trabalho não eram lá muito bonitos e organizados. Arrumaram a oficina, a produtividade aumentou. Arrumaram, limparam. Melhorou a produtividade. Limparam, higienizaram, iluminaram. A produtividade aumentou. Esterilizaram, perfumaram, decoraram com flores e bombons e a produtividade manteve-se a mesma. E transfomaram o ambiente de trabalho em um palácio e a produtividade manteve-se a mesma. E então descobriu-se que um ambiente limpinho melhora a produtividade, mas a eficácia da limpeza tem limite.
E com o dinheiro é a mesma coisa. Salário merda traz funcionário merda. Salário melhor, funcionário melhor. Salário bom traz funcionário bom e salário excelente também traz funcionário bom. E salário milionário traz funcionário bom.
Existe um limite para a eficácia dos fatores na produtividade. Dinheiro inclusive.
E, em outro estudo, descobriu-se que os mesmos fatores influenciam na felicidade. Dinheiro inclusive. Dinheiro traz felicidade sim. Ou melhor dizendo, não dinheiros traz infelicidade. US$ 75 mil por ano é o máximo que o dinheiro contribui para a sua felicidade. Menos que isso, você tem toda razão do mundo de reclamar. Mais que isso não muda nada na vida.
Então, até onde eu consegui entender, a felicidade está compreendida dentro de um determinado alcance. Um certo grau de limpeza e organização, uma determinada quantia de dinheiro e até uma quantidade exata de conexões pessoais.
Doido, né?
Mas a ciência progride pontualmente. Não lida muito bem com estudos multi-fatoriais. Tem que isolar a variável e estudar só ela, depois passar para a próxima. E o grau de liberdade é uma variável que ainda não pingou no meu radar. Mas a infelicidade sim.
Tenho observado, novamente na minha experiência toda particular e apertadinha, na minha medida empírica da minha bolha, que alguns casamentos estão se desfazendo. Oras, isso é a infelicidade mostrando sua cara, certo? Alguém está infeliz. Como estou com 45 anos e meus 150 macacos estão prioritariamente nessa faixa, então a primeira conclusão é que a crise da meia idade está batendo forte.
Segundo o DataTazzo (o instituto de pesquisa criado a partir da minha experiência toda particular e apertadinha, na minha medida empírica da minha bolha), 100% desses casos são de mulheres reavaliando suas vidas, o que é novidade. A gente sempre ouviu histórias de homens aos 40 tendo amantes, comprando Harley-Davidsons, pulando de para quedas e em termos gerais, fazendo homices. Já nesses casos analisados pelo DataTazzo, são mulheres querendo ser nômades digitais, reavaliando a maternidade e pulando de para quedas (porque às vezes mulher também faz homice).
As mulheres estão na idade da Loba.
Os respetivos dessas mulheres envolvidos no estudo parecem mais estar nos climas de comprar um sítio, fazer 5 filhos, costurar e bordar. E não é fazer filho no sentido machista de espalhar seus genes para popular a terra. São pessoas que amam ser pais.
As novas formas de viver abriram nossos olhos como sociedade e, primeiro, isso tem causado infelicidade. Queremos mais liberdade. Liberdade que nunca tivemos e que estamos questionando se abrir mão dessa liberdade foi uma escolha ponderada ou se foi uma pressão do tipo “as coisas sempre foram feitas assim mesmo". Ninguém me disse que havia felicidade, mesmo sem príncipe encantado.
Basicamente, homens e mulheres estão reavaliando seus espaços na sociedade e se é para dançar conforme a música, ao menos a gente pode escolher a música.
Talvez os atuais 40 estão atravessando um degrau necessário que nos permita medir o quanto de liberdade é o ideal. Uma liberdade que nos permita fazer escolhas. Ou aprender a aceitá-las, pregam psicanalistas e budistas.
Talvez a gente deva trancar pessoas com 20 anos em uma caverna até a pessoa sair de lá com as convicções corretas de mundo. Ou, melhor ainda, a gente tenha lhes dar um passaporte e um cartão de crédito e o convite para só retornar quando souber exatamente o que quer da vida.
Ou ainda, talvez a gente deva criar o cruzeiro dos 40: enfia todo mundo pelado e cheio de drogas em um navio, dá duas voltas no mundo e só me volta aqui quando tiver experimentado de tudo e parado de se arrepender do que fez e o que não fez.
Sou fervoroso apoiador de ritos de passagem. É aniversário de 15 anos, perder a virgindade, tirar carteira de motorista, formaturas (essa tem a cada 4 anos na escola da minha filha), despedida de solteiro, festa de casamento… Legal, mas porque os ritos todos se encerram aos 20 e poucos anos? Cadê a comemoração dos 30? E dos 40? Que tal fazer do cruzeiro dos pelados um rito de passagem?
Que tal a gente encontrar exatamente a linha onde a pessoa virou adulta?
Tá triste ver que pessoas carregaram 15, 20 anos de infelicidade achando que trabalhando haveria algo melhor e mais gostoso ali na frente e, de repente, ali na frente só tem mais um pouco de ali na frente.
A gente seria mais feliz se vivesse como as lobas, antes da idade das lobas. Agora nos resta nos adaptarmos, tentar consertar e dar melhores conselhos para os mais novos.
Bêjo!
A animação Arcane acabou de ganhar a segunda temporada. O roteiro é meio merda, é verdade. Mas as imagens são assombrosas, as cenas de ação são magistrais, técnicas de animação, som, luz, direção, tudo é incrível. Desligue o cérebro e vá lá babar. Na Netflix.
The Hu é uma banda de metal folclórico da mongólia. Eles juntam instrumentos típicos com heavy metal, cantam algumas coisas em inglês, outras em mongol, com técnicas vocais únicas. É lindo. E pesadão!



Maus é a história de Vladek Spiegelman, judeu polonês que sobreviveu ao campo de concentração de Auschwitz, narrada por ele próprio ao filho Art (Art Spiegelman, roteiro e artes). Os judeus são desenhados como ratos e os nazistas ganham feições de gatos; poloneses não-judeus são porcos e americanos, cachorros. Relato cru da ascenção nazista, dos campos de concentração e a vida depois disso.